Tocava o telefone. Eu perdida na escolha de atender ou sucumbir ao sono e a tontura. Já fazem três dias seguidos que a pressão está lá pra baixo. Eu levantei. Meio tonta, meio dormente e adormecida. O corpo leve demais que nem sabia onde estava. Um leve desmaio de menos de um segundo. A vista escurece e clareia em uma fração. Eu disse "Alô". Era aquela voz meio falhada, rouca, grossa e delicada ao mesmo tempo, assim como minha própria voz. E assim que disse alô em resposta eu não tive dúvida. Mas preferi perguntar para ter certeza. Era ela mesmo. Disse umas coisas como quem tem pressa de que acabe as unidades de um cartão telefônico comprado a quatro reais em algum boteco de beira de esquina. Falava sempre dos problemas. Das fugas, das injustiças. Dos causos. E eu respondia com aspereza e preocupação como quem se preocupa com a vida cigana de alheios por ai. Nunca tive tempo para sofrer desse mal. Para parar e pensar e chorar e questionar a respeito. Porque se o fizesse estaria sendo ingrata. Ingrata na vida e por tudo. E mesmo pisando em cacos de vidro ainda assim sairia como garotinha cruel. Enquanto falava de glicose e hospitais eu ia me perguntando a respeito da vida. Mentalmente. E os porquês nunca me surgiam. Eu respeitava essa ditadura do silêncio cerebral. De não tocar no assunto. Em hipótese alguma. Sempre sorrir e agradecer. Mesmo sem ter motivos para sorrir e nem nada para agradecer. Vida, isso a gente sempre vai ter. De um jeito ou de outro. Mas as vezes eu preciso, como todos no mundo, de alguns momentos de chatice, de reclamar de explodir. E se não tem como ou onde o fazer vai ficando pior. Não senti vontade de acordar. E cada tentativa de dirigir a palavra para aquela mulher de face franzida. Era um ato falho e um plano inacabado. Sempre dava errado. Saiam barulhos grandes e ardidos da garganta. E qualquer palavra de desanimo estava valendo. Seja nos meus comentários folclóricos da cidade. Ou sobre índios e escravos de outros lugares desconhecidos. Fosse lá dos meus amigos, dos meus sonhos exóticos. Das minhas manias ou vontades. Das minhas impressões de mundo. Era tudo muito corrido. E quem iria aguentar uma sonhadora em casa? Que pensa que pode ganhar a vida diante de qualquer ribalta por ai. Que acredita que pode escrever sobre tudo quanto é emoção. Que não liga se é usada. Vai vestindo qualquer coisa que pensa que é bonito. E falava muito. E não para quieta. E se arrisca em tudo quando é forma de flor. Mas eu ainda assim me perguntava. Por que justo hoje tinha que levantar para atender telefone? Aquele telefone. Continuo tonta. Confusa. Sem saber.
(É sobre duas mulheres em relação a mim. 09/08/2013 - 14:39)
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Parou. Reparou. Escreveu e se foi.